terça-feira, 9 de junho de 2015

Carta que nunca nos escreveram...

Não sei como hei-de começar esta carta. Se te começo por pedir desculpas, ou se te digo que sinto a tua falta. Passaram-se semanas desde a última vez que falamos, desde a última vez que te mandei aquela mensagem por ter estado a recordar, mais uma vez, todos os nossos vídeos. Não sei ao certo o porquê de te escrever esta carta, mas mais uma vez necessito de escrever tudo o que sinto. Houve dias em que não me queria lembrar de ti nem do que fomos um dia. Não passa um dia em que não olhe para uma fotografia nossa e me tente lembrar onde deixei o riso histérico que só tinha contigo e todas as trocas de carinho que sempre tivemos. Levo-te todos os dias dentro de mim. Ainda guardo tudo o que construímos e a forma como destruímos aquilo que sempre pensei e acreditei que seria eterno. Tento odiar-te. Mas não consigo. O mais ridículo, não sei, é sempre que me lembro, volto a sorrir, porque afinal nem sempre conseguimos esquecer o que um dia nos fez tão bem. Seguimos caminhos diferentes, e tentei tantas vezes seguir em frente sem ti, mas tudo me fazia recordar-te e lembrar de coisas nossas, bastaria palavras, atos ou locais, estarias sempre presente. Promessas foram feitas e quebradas, palavras ditas mas que tão rápido voaram e se esqueceram, como se no dia seguinte aquilo não passasse apenas de um sonho e que quando abrimos os olhos tudo foi esquecido, não queria nada disto, só queria ter-te de volta, bem presente nas horas dos meus dias e nas verdadeiras promessas de amizade.
Já se trocou tantas palavras sobre isto e foram apenas mesmo só palavras, se calhar, ainda espero, mais uma vez, por teimosia ou medo que digas o que pensas e sintas e que também tu corras mundos e fundos para buscar o nosso passado. Sei, eu sei , que o passado não volta, mas um novo presente e uma nova oportunidade, acredito sempre. O que me acalma, é que sei que estás bem e feliz e aquele nosso passado é apenas um passado ao qual tanto aprendemos e vivemos.Amizades verdadeiras serão sempre eternas nem que sejam apenas no nosso subconsciente.

(http://www.sabiaspalavras.com/carta-que-nunca-nos-escreveram/)

Livre, Leve e Solteira...

Ei, você ai.

Sentada sozinha lendo um livro,

bebendo vinho e passando o tempo.

Você parece tão cansada.

Eu sei, cansa escutar

“Vá embora.”

E então, no outro dia o seu telefone toca as três da manhã,

e escuta mais uma vez:

“Volta.”

Ele tem esse jeito imaturo e confuso.

De aparecer

e depois desaparecer.

De querer tudo

e nada com você.

Bom, você sabe.

Esse vai e volta não tem fim.

Vai ser sempre assim.

Hoje é sim,

amanhã mais um “não” para o seu coração partido.

Não está certo.

Você não merece isso.

Homens que são homens dias sim, dias não.

Que vem e vão sem nenhuma explicação.

De histórias construídas,

em cima de mentiras contadas.

Das palavras sussurradas,

e promessas quebradas.

Eu sei, você está cansada deste mundo,

onde a beleza é tudo

e o sentimento tem que ficar mudo.

De sair a noite

e ver as mesmas pessoas.

Com roupas diferentes

mas com as histórias de sempre.

Muita aparência e pouca essência.

Muito cheiro e pouco tempero.

E o final, é sempre o mesmo.

Começa no banco traseiro,

e termina chorando no chuveiro.

Toda noite é isso.

Chorar até dormir.

Como pode ver,

está na hora de cuidar de você.

Sim, você pode fazer algo novo e extraordinário.

As coisas boas vem. Acredite.

O que é seu, se for verdadeiro,

não vai pra porta de ninguém.

Não importa o que o mundo diz.

Você pode ser solteira e feliz.

Você pode sorrir,

mesmo depois de tropeçar e cair.

Ou rir,

antes de dormir.

Você pode dançar,

mesmo sem saber os passos, deixe o vento te guiar.

Ou correr contente,

mesmo sem nenhum caminho pela frente.

Você pode cantar,

mesmo sem nenhuma música para acompanhar.

Ou ser forte,

e ao mesmo tempo carente.

Você pode sonhar,

olhar para as estrelas e chorar.

Ei, você aí.

Se estiver chorando, por favor,

não lave o rosto.

Levante e vá até o espelho.

Sabe por que essas lágrimas brilham menina?

Para mostrar que você ainda está viva.

Então, deixe a tristeza escorrer por este rímel.

E sorria.

Hoje é o começo de uma nova vida.

Confiança e cabeça erguida.

Você pode tudo.

Mas primeiro você,

depois o mundo.

(Ique Carvalho)

Valoriza-se...

Valorize-se.
Valorize o seu tempo.
Valorize o seu corpo.
Valorize o seu amor.

Tenha amor próprio. Se namora.
Tira um tempo pra você. Só pra você.
Veste sua melhor roupa numa quinta-feira, porque sim.
Ouve sua música preferida e cante até enjoar dela.
Faça planos pro futuro.
Faça tudo que te fizer bem.
Por você.

Não se valorizando você perde a si mesma e perde o outro.
É uma situação de derrota dupla.
Não desperdice seu tempo assim.

Não aceite migalhas pelo seu amor.
Valorize todo o carinho e atenção que você tem pra dar.
E só o dê pra quem realmente é merecedor de estar contigo.
Em outras palavras, você é foda! Você é incrível.
Então só aceite estar com alguém que reconheça isso.
Que te lembre constantemente disso.
E que você queira fazer o mesmo por ele.

Ninguém gosta de gente triste.
Aliás, um saco perguntar “como você tá?” e a pessoa sempre responder “to mal… aconteceu blá blá blá”.
Tem quem é assim por depressão e esses precisam de ajuda. E tem quem é assim por ser uma pessoa triste na vida.
Não seja uma pessoa triste e que traz pra baixo todos em volta. Como se fosse uma nuvem cinza.
Seja a pessoa mais feliz do ambiente.
Espalhe felicidade.

Pessoas felizes atraem pessoas felizes.
Quem se valoriza é valorizado pelo outro.
Se você se ama, você atrai quem te ama.


Valorize.
Antes que você perca.
Antes que vá embora.
Antes que você veja nos braços de outra pessoa.

Vemos o tempo todo pessoas que só dão valor ao que tem depois que perdem. E pensamos: “pessoas idiotas”.
Vemos o tempo todo nós só percebermos o valor do que tínhamos depois que perdemos. E pensamos: “por que eu?”.

Estar num relacionamento faz o que a gente relaxe em alguns pontos. É confortável não precisar se preocupar com algumas coisas mesmo.
Mas tem sempre o risco do relaxamento crescer. Virar rotina. Virar acomodação.
E quando você se dá conta todos os atrativos que o relacionamento tinha, hoje são “tanto faz” porque perderem o valor.

Além de que hoje as coisas são muito rápidas e muito fáceis.
É fácil achar companheiro de balada. É fácil achar sexo por sexo.
As pessoas estão tão fáceis (e rápidas) que tudo se torna genérico (sim, Tinder). Relacionamentos de 15 minutos.
Veja bem, nada contra encontros casuais. Só penso que toda essa velocidade atual tem feito com que vejamos as pessoas como descartáveis.
E pior, fazendo com que vivamos em relacionamentos sem apego.
Sem valor.

“Tudo bem se não der certo, eu encontro outro.”
É uma frase comum. Mas não pode ser possível amar assim.

Quando foi que nós mudamos radicalmente de “se tá ruim, conserta” pra “se tá ruim, joga fora!”?
Isso tá errado em tantos níveis diferentes.
Uma relação não pode ser descartável. E se está numa que sente ser, por que está nela?
Se tá ruim, você tem que consertar as coisas. Juntos!
Isso é companheirismo. Isso é um relacionamento maduro.

Por isso em tempos de relacionamentos de 15 minutos a gente tem que saber valorizar o que tem.
A relação e a pessoa. Alguém legal é tão raro hoje em dia.
Alguém que realmente se importa é tão difícil de encontrar.
Não deixe pra dar valor quando você não tiver mais isso.
Cuide bem.
Não deixa pra valorizar depois de perder.


(Hudson Baroni)

Deixe alguém gostar de você...

Você pode ser a pessoa mais forte do mundo.
Você pode ser a pessoa que melhor sabe se virar sem ninguém, mais independente, mais cheia de experiência, mas você nunca, nunca será alguém que ninguém possa te ajudar a ser melhor.
Às vezes a gente cria uma casca de certeza e com isso nos blindamos do resto do mundo. Há quem faça isso pelo trauma de alguma decepção, há quem faça isso por medo de recomeçar e há quem faça simplesmente por pensar que não precisa de ninguém.
Uma coisa é depender de alguém, outra é precisar.
Você não deve pensar que a sua felicidade depende de outra. Não deve pensar que só vai conseguir ser feliz se tiver alguém pra te acompanhar. Você sempre será sua melhor companhia, você dorme e acorda com a cabeça no próprio travesseiro, você nasceu e vai morar num caixão sem ninguém. Você é o único representante das suas vontades nesse mundo. Mas você não é alguém que outro alguém não possa melhorar.
E você não precisa se obrigar a aceitar que alguém entre na sua vida.
Mas bem que você pode se ajudar para que isso aconteça.
Se você parar pra pensar, vai lembrar de alguém que já tentou se aproximar de você, mas que instantaneamente você tratou de assustar. Você não deixa alguém te fazer bem. E daí que o mundo parece estar uma bosta com tanta gente mal caráter e de valores que não pareçam em nada com os seus? É neste mundo que está quem você precisa. E daí que já teve gente que passou pela sua vida deixando mais feridas do que sorrisos? Isso não te faz uma pessoa perdedora. Essas pessoas existem e sempre vão existir! Um dia foi com você, neste segundo em que lê isto é com outra pessoa em algum lugar deste mundo, talvez até mesmo na sua rua.
Talvez seja uma questão de você começar a olhar a vida com o coração.
Quando a gente só enxerga as coisas com olhos acabamos tendo uma única visão sobre o mesmo lado da vida, agora, quando a gente vê as coisas com o coração, conseguimos fazer o cálculo entre tudo que nos faz bem, o que nos faz mal, tudo o que queremos e tudo o que estamos fazendo por merecer.
Você tem razão, as pessoas não tem se esforçado em ser interessantes mesmo.
Mas você já viu com o coração o que é alguém interessante pra você?
Talvez não seja uma homem de novela pra você postar fotos juntos e ver as amigas elogiando de lindos e casal perfeito. Talvez não seja uma garota de capa de revista pra você se orgulhar em andar de mãos dadas no shopping.
Talvez seja alguém como você nunca imaginou.
Talvez seja só alguém que já te provou o quanto pode te fazer bem.
Talvez seja quem separa um minuto do próprio dia pra te dar um oi pelo chat.
Talvez seja alguém que assiste um vídeo engraçado e te manda o link pra rir também.
Eu preciso de alguém que me faça bem. Você precisa de alguém que te faça bem. Todos nós precisamos de alguém que nos faça bem. Isso não é exclusividade pra ricos ou para as pessoas indubitavelmente lindas, isso é uma importância para qualquer ser humano deste planeta.
Vai ver você não mereça o jeito com que tem lidado com a própria vida. Vai saber, talvez aquele próximo beijo sem-nome que vai dar numa noite qualquer nem precisa de fato acontecer. Talvez você só precise responder “quando?” quando alguém te chamar pra sair, quando esse alguém que te veio à cabeça te chamar pra sair. Vai saber, não tem como garantir, mas talvez você esteja curtindo as fotos de quem não curte você, enquanto tem alguém que curtiria pelo menos conversar mais com você e saber como foi o seu dia.
Tenta ver a sua vida com o coração.
Seus olhos podem estar escondendo o que o seu coração precisa ver.
É naquela fração de segundo que você julga alguém como interessante pra você que está quem você deve respeitar: ele mesmo, novamente, o seu coração.
É claro que você não precisa se obrigar a nada. Você não precisa sair com todo mundo só pra ver no que vai dar, só pra tentar ver se gosta. Mas se você conseguir identificar quem se esforça por você, bem que poderia valorizar um pouco mais.
Deixa alguém tentar cuidar de você.
Deixa alguém provar que você é importante. Presta atenção em quem se preocupa e para de julgar como alguém que tenta te controlar, mas sim, como alguém que se coloca no seu lugar pra te ajudar. Deixa alguém se aproximar antes de você afastar. Vale repetir que você não tem a obrigação de aceitar, mas tem o valioso direito de tentar.
Você pode se considerar a pessoa mais independente desse mundo, mais cheia da porra toda, mas sempre será alguém que outro alguém pode te ajudar.

(Márcio Rodrigues)

A mulher que não queria pegar ninguém...

Reza a lenda que algum tempo atrás uma certa mulher resolveu que não pegaria mais ninguém. Era nova, tinha lá os seus 25 anos e algumas poucas experiências para contar. Ninguém sabe ao certo quando ela tomou a decisão de não pegar mais ninguém, mas o que se fala é que foi em uma manhã de domingo pós-sábado apocalíptico.
As amigas mais próximas foram as primeiras a estranhar. Ao fazerem o convite semanal parar curtir a night em alguma balada da cidade, receberam como resposta um:
 _ Não to afim! Não quero pegar ninguém.
Não resignadas com a situação, insistiram no convite, mas agora com uma estética mais agradável:
_ Amiga, vamos pra dançar apenas. Disseram elas.
_ Não, vou ficar em casa mesmo. Respondeu tranquilamente.
Tudo parecia muito estranho e continuou assim até mesmo quando o ex-namorado dela, sem ter o que fazer e quem pegar, resolveu entrar em contato pelo Whatsapp.
_ Oi, tudo bem? Tá de bobeira? Vem assistir um filme aqui em casa. Disse ele esperançoso.
_ Não, não quero ficar com ninguém. Respondeu rapidamente.
Que loucura! Ninguém entendia mais nada. Seria depressão? Alguma doença do coração? O que poderia estar passando na cabeça de uma mulher jovem como ela para querer viver assim? Sem pegação. Será que ela iria sobreviver? Na época em que tudo isso aconteceu muitos achavam que ela não duraria muito tempo. Um suicídio ou uma viagem sem volta para os montes tibetanos era o que estava nas mesas de apostas.
O tempo passou e nunca mais se ouviu falar dessa mulher. Uns dizem que morreu de solidão, outros, que por não ter mais quem pegar, foi parar em algum hospício pois ninguém conseguiria aguentar tanto tempo assim sem pegar alguém. Por fim, alguns poucos acreditam que ela esteja bem. Trabalhando, saudável, em paz consigo mesma e com muitos planos de vida. Pode ser que esteja em casa agora, ou no trabalho, mas o certo é que provavelmente esteja terminando de ler esse texto e concluindo que liberdade é ter vontade própria para fazer o que se quer, e não tudo o que dizem que é bom fazer.
Deve estar feliz.

(Carlos Mion)

domingo, 26 de abril de 2015

Cansei de ser mulher...

Cansei de ser rotulada. De ser dama, menina direita, moça de família. Cansei de não poder beber, fumar, xingar, sentar à vontade e falar no tom que eu quiser. Dos espantos quando digo que gosto de cerveja ou que não sei cozinhar. Mas, principalmente, dos absurdos que eu ouço quando descobrem que não quero casar ou ter filhos. Cansei de não saber dirigir, de gostar de rosa e de ser loira burra. De insinuarem que meu sucesso profissional está associado à minha beleza – ou à falta dela. Cansei de ser fofoqueira, consumista, dominar tarefas domésticas e não entender de futebol. De ser ridicularizada porque namoro um cara mais baixo que eu. De ter que ser vaidosa e não poder rachar a conta. Ah, e também estou farta de ser julgada em qual categoria me enquadro, no de mulheres “pra namorar”, “pra ficar” ou “só pra comer”. Com que direito instituem esse júri popular?
Cansei de ser puta. De não poder tomar a iniciativa quando estou interessada em alguém e nunca – jamais – poder transar de primeira. É coisa de vagabunda oferecida, afinal. Cansei de ser humilhada, envergonhada e destruída a cada vez que tenho cenas íntimas expostas. De ser a “safada” e “vadia” que estava fazendo sexo, enquanto o meu parceiro passa por despercebido – afinal, ele nunca será o vadio que se deixou filmar. E, em hipótese alguma, será questionado o seu caráter ao compartilhar um momento a dois. Cansei de me dar o respeito. De não poder me masturbar ou sentir tesão. Cansei de me dar valor, quando ele está na medida do tamanho da minha roupa. Cansei de não poder sair sozinha ou dançar à vontade, sem que alguém me olhe e diga: “Essa aí tá pedindo.”
Cansei de carregar a culpa. De não poder abortar. De ser abandonada e negligenciada em uma gravidez indesejada. E, ainda assim, ser olhada com desprezo quando carrego uma camisinha na bolsa. Ando exausta de ser autora das provocações sempre que sou abusada, seja numa rua escura ou dentro da minha casa, pelo meu tio ou padrasto. Cansei de gostar de apanhar. Queria, ao menos por uma vez, ser vítima da violência doméstica por falta de informação, de coragem pra denunciar, de independência, de estrutura emocional pra enfrentar a situação ou simplesmente por medo.
Cansei de ser submissa. De ver meu corpo vendido em comerciais de TV. De namorados que querem me dizer o que vestir, quais lugares frequentar e como me comportar. De pedir permissão ao marido para cortar o cabelo. Da vizinha que me censura quando chego em casa com um paquera diferente, porque vou “ficar falada”. Cansei de servir e obedecer. Cansei da sabatina insistente sobre o que eu posso e o que eu devo.
Cansei de ser inferiorizada. De ter nascido de uma costela com único propósito divino de ser uma “auxiliadora idônea” para o homem. De morder a maçã e ser arduamente responsabilizada pela inserção do pecado no mundo. Cansei ainda de ser obrigada a usar véus e burcas. Ainda não entendi por que tenho que me esconder. Cansei de ser condenada ao analfabetismo e impedida de trabalhar. De ser violentada, mutilada e apedrejada. Tratada como um objeto, um animal obediente, um servo à beira da punição. Não aguento mais ser desumanizada.
Cansei de ser rejeitada. De ouvir meu pai torcendo para ver o sexo masculino nas ultrassons da minha mãe. “Porque menino dá menos trabalho”, ele justificava, sem querer admitir que suava frio só de pensar que eu seria submetida a coisas bastante sujas, que ele mesmo já fez com tantas outras mulheres. E – nessa parte ele não mentiu – queira um menininho pra poder ensiná-lo a ser homem de verdade: levantar a saia da coleguinha na escola, brincar de luta, mostrar o pênis e falar os primeiros palavrões. Ele riria orgulhoso todas as vezes em que o filho realizasse os grandes feitos. “Macho que nem o pai”, ele repetiria, cheio de si. Minha mãe aplaudiria satisfeita, e pediria para o garoto repetir a cena na presença das visitas, uma obra-prima digna de talk show. Mas – que decepção – olha eu aqui, vestida de rosa, de pernas cruzadas e fazendo comidinhas para as minhas bonecas. Nada além do que se espera de uma mocinha, afinal.
Cansei de ser estuprada. De ter meu sexo explorado sem a minha vontade e o meu consenso. Cansei dos pequenos assédios que passam despercebidos porque aprendemos a tratá-los como normais. As invasões ao meu corpo nunca me agradaram, e a cada dia sinto mais vontade de gritar o quanto. Cansei do instrutor da academia que alisa a minha perna, do colega de trabalho que aperta minha cintura, do estranho no ônibus que se esfrega em mim e do desconhecido que tenta me beijar à força num show. Estou exausta de andar às ruas sob chuvas de “fiu-fiu”. Os “bom dia, linda” já ferem meus ouvidos tanto quanto os “chupa aqui meu pau, gostosa”. E até mesmo os olhares indiscretos, que me fazem sentir um pedaço de carne no açougue, já são o bastante pra me desestabilizar. Meu espelho é testemunha de quantas vezes já troquei de roupa movida pelo desejo de me camuflar à atenção masculina, na tentativa frustrada de evitar essas situações. Meus pés estão calejados de tantas vezes que atravessei a rua fugindo delas. Estou cansada de sentir medo.
Cansei de ser estatística. De ser estuprada a cada 12 segundos no Brasil. De fazer parte das 43,7 mil brasileiras assassinadas entre 2000 e 2010, sendo 41% delas dentro da sua própria casa. De estar entre as 7 das 10 mulheres em todo o mundo que já sofreram ou irão sofrer algum tipo de agressão durante a vida. Ou das 6 mil mulheres que sofrem mutilação genital todos os dias. Cansei de agonizar entre as 100 milhões de meninas que devem ser vítimas de casamentos forçados na próxima década. De estar entre as 5 mil mulheres que são mortas por crimes de honra todos os anos. Cansei de ser o sexo frágil. Cansei de ser fragilizada.
Cansei também de felicitações. De mensagens bonitas a cada 8 de março. Eu as agradeço, ao passo que também as dispenso. Eu não quero um dia feliz. Nem mesmo um mês dedicado a mim. Eu quero uma vida inteira com dignidade, coisa que Bibi, Fran, Somali, Júlia, Eliza, Maria, Samara, Carmen, Jyoti, Eloá e tantas outras não puderam ter. Eu quero descanso.

(Sâmia Louise)